quinta-feira, 24 de maio de 2007

Capítulo 1 - A Chamada dos Santos

A ladaínha já durava sete dias, mas esse era o costume, as velhas de Fio D'água ajoelhadas, pés rachados, descalços, nas mãos enrrugadas, rosários. Alguns, rosários feitos em casa, as de descendência, com rosários com contas de madre pérola, mas todas com o rosário, e com o chale preto na cabeça, esse era o costume.
Já no final do segundo terço, do quarto rosário depois do anoitecer, vinha intão a ladaínha dos homens, a ladainha profana. As mulheres então se levantaram com o sinal da santa cruz, e foram saindo da sala, enquanto os homens entraram em cantoria, para então pegar o corpo da velha comadre, que jazía na mesa já havia semana. Levando na rede o corpo da velha, ao saírem pela porta. o corpo foi saudado com uma salva de tiros para a lua, que na noite era minguante.
Começou então o bater de atabaques, as cumadre-velhas que acreditavam nos santos entraram na roda, enquantos as outras, que não tinham tal fé, voltavam com as crianças, deixando a terra da difunta para ir devolta à vila.
Nesse momento se realizou a última ladaínha. Os homens cantavam e e tocavam os atabaques e agogôs, as mulheres dançavam. Cícero, menino-moço filho da cumadre, saiu pela primeira vez de dentro da casa, desde a morte da velha. Trazendo em suas mãos o perfume que usava a mãe em dia de celebração do Cordeiro de Deus, ele aspergiu sobre a rede em que ela jazia, e logo depois, jogou o vidro com todo o seu conteúdo dentro da enorme fogueira.
Segundos depois o vidro esplodiu, foi então, que dobrou o toque dos atabaques, aos gritos das mulheres, e saudações dos homens. As meninas-moças entraram de branco trazendo a carne seca, a farinha de mandióca e a cachaça, esse era o costume. Começava a últimna festa de Severina, a velha cumadre, e foi noite a fora. Dança, bebida, comida, como a velha-cumadre sempre gostou. Até que a fogueira morresse, e com ela morresse a noite.
O dia vinha nascendo, botando fogo onde, diziam os velhos, havia tanta água quanto o mar azul do céu. Cícero bateu com as costas da pá uma última vez na cruz feita de improviso, com dois galhos secos e espinhentos. A mãe se foi. E ele agora estava só no mundo.

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